16 maio 2008

Deus sem complicações

Joerley Cruz

Andamos em um andar superior, com nossas intuições espirituais que nos dizem que Deus vai além do nosso entendimento e compreensão, pondo por água abaixo nossa ação simples de andar com Ele em lugares e situações inusitadas. Acreditamos que no nosso muito pensar evocamos a Deus e, assim, novamente nossa intuição nos diz que estamos certos, e que Ele se fará conhecido por isso. Vivemos em meio aos que pensam muito, demasiadamente, para encontrar o Deus da sabedoria e excelência. Andamos ao lado daqueles que, por outro lado, acham que Deus caminha nas situações mais vulgares, tornando-o um ser simples demais para ser Deus.
Perseguimos e cremos em um Deus lógico, ao mesmo tempo em que nos enganamos ser Ele quem irá corresponder às nossas teorias teológicas, que são até bem feitas, bem elaboradas, ou por outro lado, sensações que nos conduzem à “intimidade” com o divino, que são até admiráveis, arrepiantes, mas que não são verdadeiramente o que precisamos.
Recordemos dos dois discípulos no caminho de Emaús – andaram pensando no herói derrotado na cruz, no poderoso Filho de Deus vencido pela força militar, no sábio que se aquietou diante de uma autoridade romana [E de muitos modos o interrogava; Jesus, porém, nada lhe respondia.] (Lc 23,9), bem como do religioso que se deixou acusar pela religião; mas os discípulos no caminho não perceberam a presença do Senhor no caminho, em uma simples estrada de terra, onde caminhar seria o acontecimento mais comum e óbvio (Lc 24,13-35).
Mediante tal fato, o real é crer no Deus conosco. De forma simples e sensata, o real é crer no Deus descomplicado. Crer respeitando seus mistérios, seus segredos, mas também crer nas suas evidências comuns. Programamos muito, pensamos demais, investimos recursos humanos exorbitantes, dinheiro demasiado. No entanto, no final da viagem com os dois discípulos para Emaús, a máxima era sentar à mesa com eles e partir o pão.
Da estrada para o pão. O que há de eclesiasticamente estratégico em uma estrada e um pão? O que há de transcendente, espiritual, em uma estrada e um pão? Há muita coisa! A presença do Cristo é o suficiente. Pés no chão e mãos sobre a mesa. Seus pés pisando no mesmo chão que é nosso, que conhecemos bem, e suas mãos postas na mesma mesa, no mesmo nível que as nossas, tornando o pão o que Ele já dizia que é nosso.
Irmãos e amigos, chega de sobre-inteligência, num desfilar sem fim de vaidades e fingimentos a respeito daquilo que se afirma conhecer, mas não se faz a menor idéia – Deus em sua natureza é incompreensível e desmedido, oferecendo-nos apenas um anseio em conhecê-lo melhor, um dia. Basta de mágicas e palavras que prometem e iludem algo que não possuem a menor importância, que inflam nosso ego e nos faz sentir prazeres que logo nos esquecemos, anulando sua importância e relevância. Sejamos os que tornam a estrada, a terra, e a poeira, o cenário da presença de Deus. Sejamos os mesmos que entendem a mesa com o pão, o lugar e o momento de toda a fartura, porque é assim que Deus está conosco – sem complicações, misturando-se a nós, e na maioria das vezes, nos confundindo, fazendo-nos pensar que Emaús seria o ultimo lugar onde o encontraríamos.

10 maio 2008

A face materna de Deus

Somos seres acolhedores e necessitamos, ao mesmo tempo, sermos acolhidos. Isso significa que a orfandade não nos é natural. Quando refletimos e nos dirigimos a Deus, o Senhor, estamos diante daquele que consideramos Pai. No livro de Deuteronômio lemos “É assim que pagas ao Senhor, povo idiota e insensato? Não é ele teu pai e teu criador, aquele que te fez e te constituiu?” (Dt 32,6). No mesmo sentido, observamos o mesmo Deus no livro do profeta Isaías “como a um menino a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei” (Is 66,13).
A paternidade de Deus se vê na força da criação, no poder inaugurador que nos constituiu sua imagem e semelhança. É o braço forte, a mão sustentadora, a palavra segura, detentora de autoridade, sem alteração.
A maternidade de Deus se vê em seu amor abnegado por meio de Cristo, expressado em Cristo, originado por meio da graça, de misericórdia e de reconciliação. O sentimento consolador de Deus indica sua preocupação e interesse amoroso. O sentimento materno de Deus não diz respeito à dimensão física, não se refere a uma distinção de origem sexual, uma vez que o próprio Deus não se distingue em sua natureza paterna, ou materna. Jesus o considera como Pai. Afinal, quem disse que o Senhor precisava de uma mãe? Não seria o Pai suficiente? Não seria o Pai alguém completo que, também, o suprisse no aspecto maternal? A mão forte e consoladora de Deus, o Pai, em nada desaponta aos que carecem da figura distintamente materna. A cultura judaica fecha o entendimento em um Deus que deva ser Pai. Cristo, então, o chama de Pai. No entanto, as ações, o amor, a providência, a provisão e a preservação, são, igualmente, maternos.
É possível crer num Deus Pai e Mãe, sem que haja nenhuma tendência cultural ou religiosa, mas que veja nEle total suficiência em amor e cuidado.